quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Para que serve a internet no Brasil?


Por Marcos Bagno

Segundo as estatísticas, o Brasil ocupa o quarto lugar entre os países com maior número de usuários da internet. Acima dele somente China, Estados Unidos e Japão, em ordem de importância. Sem dúvida, é essa nosso presença que faz do português a quinta língua mais empregada na rede, depois do inglês, do chinês, do espanhol e do japonês - afinal, entre os países, Portugal aparece somente em 49º lugar.

Quando observamos esses números, dá até vontade de comemorar: somos mesmo uma potência emergente, a sétima economia mundial, e nossa presença na internet só vem confirmar isso. Mas antes de soltar foguetes, convém olhar para outros números. Dessa vez, os números da Wikipédia, uma das invenções mais geniais da história do conhecimento humano.

Claro que é covardia fazer qualquer comparação com o número de artigos em inglês (que superam os três milhões), já que essa é a língua materna de países altamente desenvolvidos em todos os campos da ciência e da tecnologia (Estados Unidos, Reino Unido, Canadá, Austrália, etc.), além de ser também a língua mais empregada como meio de comunicação na ìndia (um bilhão de habitantes), bem como a língua franca internacional. É bem provável que muitos dos artigos em inglês da Wikipédia sejam de autoria de pessoas que não têm essa língua como seu idioma materno.

Mas não é covardia comparar os números de artigos em português com outras línguas que apresentam números semelhantes. Vamos começar pelo holandês, que tem cerca de 23 milhões de falantes no mundo todo (dez por cento dos falantes de português), mas apresenta mais de 851.000 artigos na enciclopédia virtual. Podemos também citar o polonês (44 milhões de falantes) com mais de 840 mil artigos e, por fim, o italiano (62 milhões de falantes) com mais de 855 mil artigos. Essas línguas reunidas perfazem a metade dos falantes de português no mundo (230 milhões). No entanto, nossa língua exibe apenas pouco mais de 700 mil artigos na Wikipédia. E a qualidade da maioria desses artigos deixa muito a desejar: são incompletos, incorretos e muito mal escritos.

Qual o mistério? Nenhum. Sabemos que somente 25% dos brasileiros maiores de 14 anos são capazes de ler e compreender um texto de dificuldade média. Esse é um número que não se move há dez anos nos quadros estatísticos. Além disso, nossa secular desigualdade social também se reflete no mundo digital: entre os 10% mais pobres, apenas 0,6% têm acesso àinternet; entre os 10% mais ricos esse número é de 56,3%. Somente 13,3% dos não-brancos usam a internet, mais de duas vezes menos que os brancos (28,3%).

Por fim, vale lembrar que somos o sexto país em números de usuários do Facebook e que metade dos usuários mundiais do Orkut estão aqui. Devemos mesmo comemorar alguma coisa? Em vez de empregar a rede mundial de computadores para a produção e a aquisição de conhecimento, preferimos nos dedicar à "interação social" (haja aspas) e à "amizade" quantitativa. Entramos na cultura digital sem termos passado tempo suficiente na cultura livresca. Será que isso é bom?

Marcos Bagno é linguista, escritor e professor da UnB - www.marcosbagno.com.br 
(Fonte: Caros Amigos, ano 15, n. 177, p.8, dez. 2011)

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